quarta-feira, setembro 14, 2005

Dr. Almeida nunca viu Deus


Eduardo Almeida Castelo nasceu num bairro de classe média do Rio de Janeiro. Durante sua infância, foi cercado do amor e dos mimos de toda a família. Era o primeiro filho, neto e sobrinho naquele pequeno mundo dos Almeida Castelo. Naquela década, seu pai e avós estavam em plena ascensão financeira explorando o mercado de transporte de cargas industriais. Eduardo tinha pouco mais de cinco anos de idade quando sua família mudou-se para o melhor bairro da zona sul - o sonho de sua mãe - era o começo de um novo momento na família e iriam, finalmente, desfrutar de quase 13 anos ininterruptos de trabalho. Ela realizou-se decorando com o que havia de mais caro seu primeiro imóvel próprio. Traçara muitas metas para si mesma, seu filho e seu admirado marido, mas morreu vítima de um estúpido acidente de automóvel naquele mesmo ano. Eduardo viu sua mãe cheia de tubos e fios numa cama de hospital, quando o deixaram vê-la "só para dar um beijinho na mamãe", com a promessa de que ela iria ficar boa já, já. Falou seriamente com Deus pela primeira vez: "Papai-do-céu, faz a mamãe ficar boa e voltar logo pra casa". Não o levaram ao enterro, e apenas lhe disseram que ela foi fazer uma viagem muito longa, que não iria mais voltar, mas que ela o amava muito. Isso não evitou as noites de pesadelo durante toda a infância. Seu pai nunca se recuperou emocionalmente e não lhe serviu de apoio quando mais precisou. Eram igualmente frágeis e carentes. Eduardo cresceu e foi sempre um aluno dedicado. Brilhantemente cursou os quase 10 anos de medicina, optando pela neurocirurgia - o que ainda lhe custou inacabáveis especializações. Ainda assim, achou tempo para conquistar sua menina e formar uma família. À sua filhinha deu o nome de sua mãe – inconscientemente supria a necessidade de poder referir-se novamente àquele nome e dizer as mágicas palavras "eu te amo!". Sua mulher e filha curaram uma ferida que pensava ser indelével. Era, enfim, um homem feliz e que procurava inventar tempo para estar com as duas mulheres mais lindas do mundo. Não queria, mesmo tendo optado por tal profissão, cometer o erro de ser um pai e marido distante. Dr. Almeida era íntegro, correto, seu caráter era inquestionável, era admirado por seus colegas e funcionários, mas era também um homem inflexível: certa vez, um homem de poucas condições financeiras entrou em seu consultório: – Dr. Almeida, sei que o senhor é um excelente cirurgião e um bom homem. O indivíduo desejava que Eduardo operasse sua esposa, que sofria de um tumor no cérebro, tinha poucas chances, nenhum tempo para filas de espera e, lamentavelmente, nenhum seguro de saúde. – Dr. Almeida, eu lhe pagarei em parcelas. Devagar, mas dou minha palavra que pagarei. Ela é tudo que eu tenho nessa vida. Ajude-me, por favor! Eduardo pensou em precedentes. – Lamento, senhor, aqui não posso ajudá-lo; – Mas, doutor, o senhor tem tudo aqui em sua clínica, não somente boa sala de cirurgia, como todo o equipamento, pessoal necessário e capacidade de sobra; – Não insista, senhor. Aqui, sem um plano de saúde, não poderei ajudá-lo. Por favor, não insista. De Deus que, na concepção do seu coração, não quis atender sua oração infantil, ouviu falar pouquíssimas vezes. Em seu profundo ressentimento, jamais permitiu que alguém lhe mencionasse o nome ou sequer a existência do Criador. Eduardo venceu na vida... mas ela insistiu em lhe ser cruel. Numa ensolarada tarde de outono, dois homens invadiram sua cobertura e, delatados, fizeram sua mulher e filha reféns. Pediam carro para a fuga, senão jogariam a menina lá de cima. Durante toda tarde, o principal alvo da dupla foi a menina. Selvagens. Causaram repúdio em cada policial. Na fuga, trocaram tiros com a polícia, e uma das balas perfurou os corpos da mulher e da filha do Dr. Almeida Castelo, levando-as ao óbito. Tentou refúgio no trabalho. Cometeu erros que lhe custaram alguns processos. Livrou-se da condenação, mas seu nome foi manchado e seu brio foi ferido. Inexplicável. Dor imensurável. Falou seriamente com Deus pela segunda vez: – O que te fiz, seu maluco? Que ódio é esse que você nutre por mim? A vida perdeu o sentido e o rumo. A lucidez tornou-se uma cela de tortura. Passou a embriagar-se frequentemente. Anos mais tarde, cansou de odiar Deus. Baixou as armas e falou com ele pela última vez: – Se tu existe mesmo, me ajuda. Mate-me também. Numa manhã de domingo, já completamente embriagado, ao seu modo rendeu-se: "prometo que essa noite entro na primeira igreja que vir". E assim o fez. Ajeitou-se e sentou no último banco de uma bela igreja. Achou estranho as músicas que ouviu, não entendendo absolutamente nada a respeito do que diziam aquelas letras. O Pastor entrou e saudou a igreja. Dr. Almeida pensou que se Deus existe, iria finalmente conhecê-lo. Durante 40 minutos o pastor falou sobre como Deus se alegra e abençoa aquele que dá o que tem: – Irmão, Deus tem muito para te dar, mas primeiro você deve dar a ele! E continuou, esbravejando no púlpito versículos e mais versículos para respaldar sua dissertação... Eduardo já não estava mais escutando. Restaram-lhe apenas as imagens... olhando tudo a sua volta pensou no quão bonita era aquela "sala de cirurgia". Pensou que talvez o equipamento fosse excelente, e que o médico existisse mesmo e fosse suficientemente competente para curá-lo e livrá-lo daquela dor. O "recepcionista", no entanto, insistia no pagamento de uma espécie de plano de saúde, senão, nada de cura. Pôs uma oferta num pequeno envelope e retirou-se.
Dr. Almeida Castelo morreu recentemente torturado por sua dor e dureza, sem nunca ver Deus. Seus únicos minutos de rendição foram desperdiçados num domingo de arrecadação de verbas. Morreu sem saber que o amor que cura todas as feridas, o perdão que nos compra a salvação e a eternidade, e paz que excede todo o entendimento são dons gratuitos de Deus que é vivo e verdadeiro.

"... A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto não há diferença entre judeu e grego, porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?" Carta do Apóstolo Paulo aos Romanos, cap. 10 versos 8 a 13.

Dr. Almeida é uma ficção. A omissão do verdadeiro Evangelho é, infelizmente, uma realidade cada vez mais constante. Marcelo Belchior - 11.2003