Eduardo Almeida Castelo nasceu num bairro de classe média do Rio de Janeiro. Durante sua infância, foi naturalmente cercado do amor e dos cuidados de toda sua família, uma vez que era o primeiro filho, neto e sobrinho. Naquele momento, seus pais e avós estavam em plena ascensão financeira explorando o mercado de transporte de cargas industriais.
Eduardo tinha pouco mais de cinco anos de idade quando sua família mudou-se para o melhor bairro da cidade – o sonho de sua mãe. Era o começo de um novo momento na família e iriam finalmente desfrutar de quase treze anos ininterruptos de trabalho. Ela realizou-se decorando com o que havia de mais caro seu primeiro imóvel próprio. Havia traçado, então, muitas metas para si mesma, seu filho e seu admirado marido; mas morreu vítima de um acidente de automóvel naquele mesmo ano. Na época, Eduardo chegou a ver sua mãe cheia de tubos e fios numa cama de hospital quando o deixaram visitá-la "só para dar um beijinho na mamãe" sob a promessa de que ela iria ficar boa já, já. Ele falou seriamente com Deus pela primeira vez: "querido papai do céu, faz a mamãe ficar boa e voltar logo pra casa".
Não o levaram ao funeral, e apenas lhe disseram que ela foi para uma viagem muito longa, que não voltaria mais, mas que ela o amava muito. Frases que não evitaram as noites de choro e pesadelos durante toda a infância. Seu pai nunca se recuperou emocionalmente e não lhe serviu de efetivo apoio quando mais precisou.
Eduardo cresceu e foi sempre um aluno dedicado. Brilhantemente cursou os anos de medicina, optando pela neurocirurgia – o que ainda lhe custou intermináveis especializações. Tal dedicação, contudo, não o impediu de conquistar o coração de uma mulher e formar uma família. À sua filhinha deu o nome de sua mãe – talvez, inconscientemente suprisse assim a necessidade de poder referir-se novamente àquele nome e dizer as mágicas palavras "eu te amo!".
Sua mulher e filha curaram-lhe as feridas e era, enfim, um homem feliz, que diligentemente procurava inventar tempo para estar com as duas mulheres mais lindas do mundo. Não queria, mesmo tendo optado por tal profissão, cometer o erro de ser um pai e marido distante.
Dr. Almeida era íntegro, correto, de caráter inquestionável, admirado por seus colegas e funcionários, um médico reconhecido e respeitado em sua especialização. Ocorreu certa vez de um homem com poucas condições financeiras buscar desesperadamente sua ajuda: “Dr. Almeida, ouvi que o senhor é um excelente cirurgião e um bom homem. O único nesta cidade com chances reais de me ajudar”. Ele desejava que Eduardo operasse sua esposa, atormentada um tumor no cérebro, com poucas chances de sobrevivência, nenhum tempo para filas de espera e, lamentavelmente, nenhum seguro de saúde. “Dr. Almeida, eu pagarei em parcelas. Parcelado e continuamente, dou minha palavra que pagarei. Ela é tudo que eu tenho nessa vida. Ajude-me, por favor!” Eduardo pensou em precedentes apenas. Foi duro e inflexível: “lamento, senhor, aqui não podemos ajudá-lo”. Um bom hospital, um médico renomado, tratamento adequado, equipamentos e procedimentos que curam e devolvem a vida têm preço. E muito alto.
A respeito de Deus, que, na concepção do seu coração, não quis atender sua oração infantil, Dr. Eduardo Almeida ouviu falar pouquíssimas vezes. Em seu profundo ressentimento com este ente, jamais permitiu que alguém lhe mencionassem o nome ou sequer a existência de um Criador. Seguia seguro de que a vida seria um caminho estável se seus passos fossem retos. E de fato venceu na vida.
A existência, no entanto, parece tender, mais do que o comum, a requintes de crueldade quanto a alguns homens: numa tarde de outono, dois homens invadiram a cobertura do Dr. Eduardo Almeida. Delatados, foram cercados e fizeram reféns sua mulher e filha. Com violência desmedida, exigiam um carro para a fuga, ameaçando lá de cima jogar a menina pelo parapeito. Durante toda tarde, o principal alvo da dupla foi a filha de Eduardo. Selvagens. Causaram repúdio em cada policial. Na fuga, trocaram tiros com a polícia, e uma das balas perfurou os corpos das duas reféns, levando-as ao óbito.
Eduardo tentou refúgio no trabalho, mas, continuamente atormentado por sua dores, acabou cometendo erros em campos diversos que geraram processos. Livrou-se várias vezes da condenação, mas seu nome foi manchado e seu brio foi ferido. Inexplicável. Dor imensurável. Falou seriamente com Deus pela segunda vez: “o que eu te fiz, seu maluco? Que ódio é esse que você nutre por mim?”. A vida lentamente foi perdendo o sentido e o rumo. A lucidez tornou-se uma cela de tortura. Passou a embriagar-se frequentemente, até que cansou de odiar Deus, baixou as armas e falou com ele pela última vez: “se você existe mesmo, me ajuda. Mate-me também”.
Num domingo já distante de hoje, completamente embriagado, ao seu modo rendeu-se – prometo que esta noite entro na primeira igreja que vir. E assim o fez. Ajeitou-se e sentou no último banco de uma bela igreja. Achou estranho as músicas que ouviu, não entendendo absolutamente nada a respeito do que diziam aquelas letras. O Pastor entrou, tomou o microfone e saudou a igreja, e Eduardo pensou naquele instante que, se Deus existe realmente, iria finalmente conhecê-lo. Durante muitos minutos o pastor falou sobre como Deus se alegra e abençoa aquele que dá o que tem: “irmão, Deus tem muito para te dar, mas primeiro você deve dar a ele!”, e esbravejava versículos e mais versículos para respaldar sua fala... Dr. Almeida já não estava mais escutando. Passou a observar as imagens de tudo que estava à sua volta e notou o quão bonita era aquela espécie de sala de cirurgia. Pensou que talvez os equipamentos e o tratamento fossem excelentes, e que o habilidoso médico possivelmente existisse mesmo e fosse suficientemente competente para curá-lo, livrá-lo daquela dor e restituir-lhe a vida. O recepcionista que estava no púlpito, no entanto, insistia no pagamento de uma espécie de plano de saúde, senão, nada de cura. Tão vazio quanto entrou, retirou-se após pôr uma oferta num pequeno envelope.
Dr. Eduardo Almeida Castelo morreu recentemente. Viveu seus últimos dias
torturado por sua dor e dureza, sem nunca ver Deus. Seus únicos minutos de
rendição foram desperdiçados num domingo de arrecadação de verbas. Morreu sem
saber que o amor que cura todas as feridas, que o perdão que nos compra a
salvação, a eternidade e paz que excede todo o entendimento são dons inteiramente
gratuitos de Deus, que é vivo e verdadeiro.
"... A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta
é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se, com a tua boca, confessares ao
Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás
salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz
confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer
não será confundido. Porquanto não há diferença entre judeu e grego, porque um
mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele
de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?" Carta do apóstolo Paulo aos Romanos, cap. 10
versos 8 a 13.
Dr. Almeida é uma ficção. A omissão do verdadeiro Evangelho que inspirou este
conto numa noite de domingo de 2003 é, infelizmente, uma realidade cada vez
mais constante hoje nas igrejas evangélicas.
Marcelo Belchior