terça-feira, setembro 20, 2005

Você é muito doido, mermão!

Teu caso é muito grave: você acredita piamente na existência de um ser superior. Acredita que, soprando no pó, Deus criou Adão, e que a primeira clonagem foi quando tirou de sua costela uma mulher. Acredita que, dentro de um barquinho sem-vergonha, uma família acompanhada de casais de vários espécimes animais venceu incólume a maior tempestade que já houve. Você crê que choveu fogo que a uma cidade inteira consumiu, e que uma mulher foi transformada em estátua de sal. Ah, e que não só fogo já desceu do céu, mas também pão e pedra, certo? O mar se abriu e o povo passou, não uma, mas duas vezes. Você acredita de verdade que Deus fez muralhas caírem ao som de instrumentos musicais e um bando de despreparados derrotar exércitos. Com o segredo de sua força nos cabelos, um homem matou centenas de inimigos e tornou-se juiz de seu povo, tal qual um pastorzinho de ovelhas que, matando um gigante, tornou-se rei. Explique como a terra parou, ou como voltou sua rotação 15 graus sem que se tenha registro dos terríveis cataclismos que esses eventos deveriam ter gerado. Como o metal emergiu? E como estéreis pariram sem auxílio biotecnológico? Também tem aquelas histórias em que um homem foi para o céu em uma alucinante carruagem de fogo, e os super-homens que, lançados às chamas de forno, sobreviveram, ou aquela outra em que o lançado aos leões com esses dividiu abrigo. Você acredita numas paradas muito loucas e, não satisfeito, além de crer num Deus que é todo poderoso e que criou todas as coisas só pelo poder da sua palavra, mas que, é claro, ninguém pode ver, afirma que ele gerou um filho numa virgem. Essa é boa! Talvez a melhor. Então o homem nasceu de Deus, mas Deus também nasceu do homem, e esse tal Filho de Deus transformou água em vinho, fez corpos pútridos tornarem à vida, cegos tornarem a ver e coxos a andar e saltar. Ele tirou a maior onda e andou sobre as águas do mar, mandou e a tempestade acalmou e, por duas vezes, multiplicou pão e peixe para uma multidão. Para piorar a tua situação, você acredita piamente que com a sua morte, o Filho de Deus dá vida aos homens. E tem mais: você bebe do seu sangue, come da sua carne, e crê que seu sangue é o único que, em vez de sujar, limpa. Esse Filho de Deus é de tudo: ele é porta, é caminho, é água viva, é a verdade é a própria vida, e quem olha para ele está olhando para o tal Deus que ninguém consegue ver, porque ele é homem, mas é Deus também. Por fim, doideira geral, você acredita que ele não morreu. Quer dizer, morreu, sim, mas ressuscitou, reina no Céu ao lado de seu Pai e vai voltar para – ouçam esta! – buscar uma noiva que tem mais de 2000 anos de idade, mas não tem nem rugas, nem manchas e nem mácula. Meu amigo maluquinho, faça a si mesmo um favor: continue louco. A cura mata.

"Porque a palavra da cruz é deveras loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. [...] Visto como na sabedoria de Deus o mundo pela sua sabedoria não conheceu a Deus, aprouve a Deus salvar pela loucura da pregação os que creem. Pois, enquanto os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria, nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos, mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus, e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens." ICo. 1.18 a 25.
Marcelo Belchior – 1999

sexta-feira, setembro 16, 2005

Johnny, Johnny, esta noite, Johnny, pedirão tua alma*

Foto: Osvaldo Praddo – Ag. O Dia Imagino que, tal qual o rico fazendeiro da parábola (Lucas 12.16-20), Pedro Dom também pensou que veria mais manhãs, mais dias, e teria outras chances mais. Pedro pensou que dava para fugir mais uma vez, pensou que dava para se entregar amanhã, mas a morte chegou hoje. "Pobre Johnny, nem sabe que tem uma alma"*. Quantas manhãs e chances de corrigir o mal eu e você, leitor, ainda teremos? * Trechos da música Extra do Katsbarnea

quarta-feira, setembro 14, 2005

Ele é o que há de novo e a resposta à minha sede

Batimento cardíaco, ok! Pressão arterial, ok! Bisturi e, minutos depois, lá vem mais um. Fosse um veículo automotor seu número de série não caberia no chassi. Somos vários, muitos, milhões em toda parte e em muitas gerações. Sendo tantos, o que pode haver de novo? O que há que ainda não tenha sido vivido e experimentado? Que possibilidades nunca foram raciocinadas? Não há nada em nenhum lugar que seja novo, exceto variações de verdades e mentiras? Quem nunca se perguntou o porquê, o pra quê, o onde e o quando? Qual o motivo de tudo? Somos frutos de um nada, ou alguém superior está brincando de marionetes? Seremos deuses que devam gritar isso para si mesmos até nos convencermos? Existe um hospital onde somos recebidos pós-morte? Uma espécie de fábrica onde somos avaliados como produtos para, se aprovado, ganharmos um certificado de qualidade, ou, se reprovado, voltarmos à linha de produção como refugo, como que carimbados com uma advertência - exemplar reprovado - favor reciclar? Fomos um dourado de aquário e evoluímos até aqui em bilhões e bilhões de anos? Seremos 144.000 aprovados separados de um gigantesco contingente de subespécie? Ganharemos nossos próprios planetas para manipularmos seres que serão o que já fomos? Nos cercaremos de virgens com hímens superpoderosos por nos suicidar em prol de um ideal político? Somos eleitos e escolhidos a dedo e todos os demais existem somente para saciar o sadismo de um deus paranoico? São tantas filosofias, purificações, sacrifícios, aprendizados inacabáveis, aperfeiçoamentos toscos, indulgências e, acima de tudo, cofres gordos para quem aprendeu a enredar as mentes sob o torpor desse sentimento questionador, que acabamos por perguntar o que há de realmente novo. O que há de verdadeiro? Eu achei um livro. Sempre esteve em minha estante. Nunca o havia lido. Ele me apresenta um Deus e me conta a história de um povo que por ele sobreviveu. Nesse Deus encontraram a origem de todas as coisas e a resposta para todas as perguntas. Nesse Deus eu achei a grande e vívida novidade que procuro. Quatrocentos e vinte anos depois do profeta Malaquias, surgiu no meio desse povo um homem dizendo ser o filho do Deus que eles creem. O messias que os antigos escritos prometeram. Esse homem deu várias provas de ser diferente e disse coisas que, até então, ninguém havia dito. Não com tanta autoridade e eloquência. Ele marcou seu tempo e a humanidade. Sim, outros fizeram isso, mas nenhum deles ousou dizer que é Deus e que voltará para buscar aqueles que nele creem. Isso faz toda a diferença em Jesus Cristo. Diferente de todos os líderes religiosos da humanidade, ele disse que é Deus. Não dá para crer parcialmente nele. Ou ele foi um completo maluco, digno de camisa-de-força, ou ele é o verdadeiro Deus. Seu evangelho não deixa mais de duas opções: ou tudo não passa de um belo romance judeu, o maior e mais vendido, ou realmente existe um Deus, e um messias foi dado a toda a humanidade. Abraçarei esta verdade: o Judeu que surgiu no meio do povo há mais de 2000 anos dizendo que é o caminho a verdade e a vida é, verdadeiramente, o filho de Deus. Ele é o meu Deus. Ele é antes de todas as coisas e nele tudo subsiste. Todas as coisas foram criadas por ele e para ele, as visíveis e as invisíveis. A existência está em suas mãos. Ele falou e tudo veio a existir pelo poder da sua palavra. Ele é o princípio e o fim de todas as coisas. Seu amor e sacrifício, seu poder, sua glória e seu reino são a boa e verdadeira novidade que há para se ouvir por todos os séculos e todas as gerações. Ele é a resposta, a verdade que sacia a minha sede existencial. Maranata, meu Amado. Maranata! Marcelo Belchior – 09.2005

Dr. Almeida nunca viu Deus


Eduardo Almeida Castelo nasceu num bairro de classe média do Rio de Janeiro. Durante sua infância, foi naturalmente cercado do amor e dos cuidados de toda sua família, uma vez que era o primeiro filho, neto e sobrinho. Naquele momento, seus pais e avós estavam em plena ascensão financeira explorando o mercado de transporte de cargas industriais.

Eduardo tinha pouco mais de cinco anos de idade quando sua família mudou-se para o melhor bairro da cidade – o sonho de sua mãe. Era o começo de um novo momento na família e iriam finalmente desfrutar de quase treze anos ininterruptos de trabalho. Ela realizou-se decorando com o que havia de mais caro seu primeiro imóvel próprio. Havia traçado, então, muitas metas para si mesma, seu filho e seu admirado marido; mas morreu vítima de um acidente de automóvel naquele mesmo ano. Na época, Eduardo chegou a ver sua mãe cheia de tubos e fios numa cama de hospital quando o deixaram visitá-la "só para dar um beijinho na mamãe" sob a promessa de que ela iria ficar boa já, já. Ele falou seriamente com Deus pela primeira vez: "querido papai do céu, faz a mamãe ficar boa e voltar logo pra casa".

Não o levaram ao funeral, e apenas lhe disseram que ela foi para uma viagem muito longa, que não voltaria mais, mas que ela o amava muito. Frases que não evitaram as noites de choro e pesadelos durante toda a infância. Seu pai nunca se recuperou emocionalmente e não lhe serviu de efetivo apoio quando mais precisou.

Eduardo cresceu e foi sempre um aluno dedicado. Brilhantemente cursou os anos de medicina, optando pela neurocirurgia – o que ainda lhe custou intermináveis especializações. Tal dedicação, contudo, não o impediu de conquistar o coração de uma mulher e formar uma família. À sua filhinha deu o nome de sua mãe – talvez, inconscientemente suprisse assim a necessidade de poder referir-se novamente àquele nome e dizer as mágicas palavras "eu te amo!".

Sua mulher e filha curaram-lhe as feridas e era, enfim, um homem feliz, que diligentemente procurava inventar tempo para estar com as duas mulheres mais lindas do mundo. Não queria, mesmo tendo optado por tal profissão, cometer o erro de ser um pai e marido distante.

Dr. Almeida era íntegro, correto, de caráter inquestionável, admirado por seus colegas e funcionários, um médico reconhecido e respeitado em sua especialização. Ocorreu certa vez de um homem com poucas condições financeiras buscar desesperadamente sua ajuda: “Dr. Almeida, ouvi que o senhor é um excelente cirurgião e um bom homem. O único nesta cidade com chances reais de me ajudar”. Ele desejava que Eduardo operasse sua esposa, atormentada um tumor no cérebro, com poucas chances de sobrevivência, nenhum tempo para filas de espera e, lamentavelmente, nenhum seguro de saúde. “Dr. Almeida, eu pagarei em parcelas. Parcelado e continuamente, dou minha palavra que pagarei. Ela é tudo que eu tenho nessa vida. Ajude-me, por favor!” Eduardo pensou em precedentes apenas. Foi duro e inflexível: “lamento, senhor, aqui não podemos ajudá-lo”. Um bom hospital, um médico renomado, tratamento adequado, equipamentos e procedimentos que curam e devolvem a vida têm preço. E muito alto.

A respeito de Deus, que, na concepção do seu coração, não quis atender sua oração infantil, Dr. Eduardo Almeida ouviu falar pouquíssimas vezes. Em seu profundo ressentimento com este ente, jamais permitiu que alguém lhe mencionassem o nome ou sequer a existência de um Criador. Seguia seguro de que a vida seria um caminho estável se seus passos fossem retos. E de fato venceu na vida.

A existência, no entanto, parece tender, mais do que o comum, a requintes de crueldade quanto a alguns homens: numa tarde de outono, dois homens invadiram a cobertura do Dr. Eduardo Almeida. Delatados, foram cercados e fizeram reféns sua mulher e filha. Com violência desmedida, exigiam um carro para a fuga, ameaçando lá de cima jogar a menina pelo parapeito. Durante toda tarde, o principal alvo da dupla foi a filha de Eduardo. Selvagens. Causaram repúdio em cada policial. Na fuga, trocaram tiros com a polícia, e uma das balas perfurou os corpos das duas reféns, levando-as ao óbito.

Eduardo tentou refúgio no trabalho, mas, continuamente atormentado por sua dores, acabou cometendo erros em campos diversos que geraram processos. Livrou-se várias vezes da condenação, mas seu nome foi manchado e seu brio foi ferido. Inexplicável. Dor imensurável. Falou seriamente com Deus pela segunda vez: “o que eu te fiz, seu maluco? Que ódio é esse que você nutre por mim?”. A vida lentamente foi perdendo o sentido e o rumo. A lucidez tornou-se uma cela de tortura. Passou a embriagar-se frequentemente, até que cansou de odiar Deus, baixou as armas e falou com ele pela última vez: “se você existe mesmo, me ajuda. Mate-me também”.

Num domingo já distante de hoje, completamente embriagado, ao seu modo rendeu-se  – prometo que esta noite entro na primeira igreja que vir. E assim o fez. Ajeitou-se e sentou no último banco de uma bela igreja. Achou estranho as músicas que ouviu, não entendendo absolutamente nada a respeito do que diziam aquelas letras. O Pastor entrou, tomou o microfone e saudou a igreja, e Eduardo pensou naquele instante que, se Deus existe realmente, iria finalmente conhecê-lo. Durante muitos minutos o pastor falou sobre como Deus se alegra e abençoa aquele que dá o que tem: “irmão, Deus tem muito para te dar, mas primeiro você deve dar a ele!”, e esbravejava versículos e mais versículos para respaldar sua fala... Dr. Almeida já não estava mais escutando. Passou a observar as imagens de tudo que estava à sua volta e notou o quão bonita era aquela espécie de sala de cirurgia. Pensou que talvez os equipamentos e o tratamento fossem excelentes, e que o habilidoso médico possivelmente existisse mesmo e fosse suficientemente competente para curá-lo, livrá-lo daquela dor e restituir-lhe a vida. O recepcionista que estava no púlpito, no entanto, insistia no pagamento de uma espécie de plano de saúde, senão, nada de cura. Tão vazio quanto entrou, retirou-se após pôr uma oferta num pequeno envelope.

Dr. Eduardo Almeida Castelo morreu recentemente. Viveu seus últimos dias torturado por sua dor e dureza, sem nunca ver Deus. Seus únicos minutos de rendição foram desperdiçados num domingo de arrecadação de verbas. Morreu sem saber que o amor que cura todas as feridas, que o perdão que nos compra a salvação, a eternidade e paz que excede todo o entendimento são dons inteiramente gratuitos de Deus, que é vivo e verdadeiro.

"... A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto não há diferença entre judeu e grego, porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?" Carta do apóstolo Paulo aos Romanos, cap. 10 versos 8 a 13.

Dr. Almeida é uma ficção. A omissão do verdadeiro Evangelho que inspirou este conto numa noite de domingo de 2003 é, infelizmente, uma realidade cada vez mais constante hoje nas igrejas evangélicas.

Marcelo Belchior