sábado, agosto 22, 2009

Carlin e a bolsa de valores da religião


Sou muito ligado à sociedade norte-americana, por isso descobri agora, 13 meses depois, que George Carlin faleceu vitimado por uma parada cardíaca. Uma pena – sem deboche. O comediante preferido dos ateus era ácido em suas críticas às religiões. Conheci-o via YouTube e, longe de me ofender, diverti-me com muitas de suas felizes e corretíssimas colocações. Somente a hipocrisia e a ignorância podem impedir que nós, crédulos, admitamos a coerência do seu raciocínio. Carlin duvidava com veemência da existência de Deus e tinha o direito de fazê-lo.
Ateísmo é a religião da auto-suficiência, a religião de quem não tem necessidades e é emocionalmente bem resolvido ou, ao menos, que tenta ser. Ateísmo é a religião de quem se aplica a raciocinar e acredita fortemente que tudo se resume à razão, limitando-se à capacidade da compreensão humana. Como todas as demais religiões, merece respeito.
Não obstante à consideração que reservo aos ateus, admirei George Carlin pelo simples fato de perceber que fez o mínimo que se espera de um apologista – não se limitou a repetir ataques vazios, mas se aplicou razoavelmente em conhecer algumas doutrinas para então contestá-las com contradições e dúvidas.
As contradições cristãs são mesmo infindáveis, e inutilmente gasta-se quem tenta acobertá-las ou justificá-las. São frutos humanos de razões e atos igualmente humanos. Não tocam os Céus, não maculam a imagem do divino, senão a imagem do homem e de suas instituições religiosas. O engano que não se poderia cometer no ateísmo, no entanto, é justamente o preferido – confundir e mesclar o homem, suas doutrinas e suas instituições com Deus, fazendo-os um só objeto de infâmia.
À imagem e semelhança de Kant e Nietzsche muitos propositalmente fazem esta fusão com a finalidade de desconstrução de um sistema opressor que lhes inflige culpa. (Jo 3.20) Não há o que possa ser dito a esse tipo de ateu.
Acredito, contudo, na existência de um ateísmo autêntico, que percebi em Carlin que, muito além da piada pronta da religião cheia de contradições, enxergou as infinitas dúvidas que surgem mediante às poucas informações que possuímos a respeito da origem e do destino da existência. Esse é o ponto que mais interessa no ateísmo: as dúvidas. Nunca certeza, porque se dissermos certeza, senão para nós mesmos ("guardarás tua religião para ti mesmo!"*), incorremos no mesmo erro, crédulos e incrédulos, abraçando a arrogância e a presunção.
Ao dar-se o benefício da dúvida, o homem dá-se também os benefícios do respeito mútuo e da escolha segundo sua capacidade perceptiva, quando, por razões exclusivamente intelectuais – jamais por conveniências –, abraça uma crença, ainda que seja a de em nada crer, porque, sinceramente, precisamos admitir que tudo se resume à fé, necessária também para crer na abiogênese e na sua sucessão gloriosa de coincidências evolutivas de Darwin.
Se ateus e evolucionistas espirituais estão corretos, todos nós rumamos juntos a um nada, comum aos crédulos e incrédulos. Se, por outro lado, monoteístas cristãos estiverem certos em suas mais primitivas crenças e verdadeiramente existe um Deus no céu que a tudo criou e deu finalidade, e também enviou seu filho para remissão dos que nele crêem, então a coisa vai ficar muito feia, e nada engraçada, para George Carlin. Quando penso nele e em tantos outros ateus, lembro do que faz o investidor com seus bens, aplicando-os onde pode obter maior rendimento, livrando-se, ao máximo possível, dos riscos. O ateu é, segundo essa analogia, o investidor que aplica seu maior bem em uma crença com poucos rendimentos e muitos riscos.

(*) George Carlin