Não, eu não sou uma legião de espíritos e também não há uma vara de porcos nas proximidades (MC 5.1-15). Essa frase, no entanto, poderia também ser minha, não por temor, mas por um genuíno espanto ao deparar-me com Cristo no porvir, caso acreditasse na teoria da “amnésia celestial”.
Explico: é comum entre os cristãos crer que, ao encontrar-se com Deus no Paraíso, ninguém mais lembrará de coisa alguma. Nem de fatos, nem de pessoas.
Fantasio este Céu de desmemoriados: não há, obviamente, tristezas nem dores pelos entes queridos que não creram no único Mediador e Salvador ofertado por Deus. Não há pranto por aqueles irmãos que não se mantiveram firmes em seus propósitos com Cristo. Não há lembranças de nossas gafes teológicas, multiplas denominações e doutrinas estapafúrdias. Neste Céu, também não lembramos mais das hierarquias sociais, religiosas e familiares, e somos todos, igualmente, filhos de Deus, pois Jesus, seu poderoso Filho, nos salvou. Só não sabemos exatamente do que.
No Céu dos desmemoriados não haverá a alegria da salvação, o júbilo de vitória, os abraços apertados dos irmãos que, em Cristo, venceram o pecado e a morte e alegremente ceiam com seu Senhor na glória. Nada de lágrimas de felicidade ao encontrar velhos irmãos e entes amados que antes morreram. Neste Paraíso não vai haver aquele sonhado abraço e aquele beijo tão esperado no rosto do Senhor Jesus, seguido do nosso "muito obrigado" por tão grande salvação ofertada. Nada de dores, nada de traumas, nada de saudades, mas também, nada de gratidão.
Assim, o Paraíso ficará mais pobre, mas estaremos livres de chorar por aqueles que rejeitaram o Filho do Deus altíssimo e seu magnífico sangue derramado como prova de um amor que ninguém jamais sentirá por nós. Neste Céu, preferiremos não saber quem exatamente Cristo é, para, na verdade, somente não sofrermos por aqueles que, muito menos que ele, nos amaram.
Marcelo Belchior 09.06