quarta-feira, abril 12, 2006

Eu nasci para morrer

Quisera ter a felicidade de, neste exato instante, morrer, pois confio que a morte subjugará meu ego. Então, morto, enfim, porei os meus pés onde não quero, afagarei quem eu não amo, direi abertamente o que prefiro calar, instruirei-me do que é eterno e serei capaz de ouvir a doce voz daquele que, desde a eternidade, me amou e por mim entregou-se. Se eu agora morrer, viverá ele, por seu pleno direito, e meu dever e desejo. Já não será do meu jeito, não serão mais os meus sonhos, meus projetos e vontades. Será em mim, tudo, enfim, dele, por ele e para ele. Farei dele meu autêntico amado, em prosa, verso, poesia e ato. Será meu Senhor, e de fato. Desejo a morte da letargia que me toma, da crítica que lanço e nada constrói, das palavras com que machuco, do tempo que perco, do amor que não demonstro, dos meus hábitos nocivos, da vaidade que penso não ter e das feridas que me tornam amargo. Desejo a morte porque somente ela vai permitir, quando enfim eu partir, dizerem quão bom pai eu sou; bom esposo, bom amigo, bom irmão e bom filho. A morte me fará melhor do que jamais sonhei, no servo bom e fiel que entra no descanso do seu Senhor, eu me tornarei. Quando em mim tudo isso for prática e não somente um raso jogo de palavras, a outra morte, aquela que se inicia ao nascermos, torna-se-á de aflição, tormento ou dor, em perfume, alegria e aprisco, onde mais vivo que hoje verei o rosto do meu Senhor. 


“Pois o amor de Cristo nos constrange, porque julgamos assim: se um morreu por todos, logo todos morreram; e ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou”. II Cor 5.14 e 15 Marcelo Belchior – 12/04/06