Poucas coisas são tão humanas quanto a capacidade de sentir-se melhor que o outro. É esse sentimento que nos faz perceber o erro alheio como um absurdo e o defeito como imperdoável. Em sociedade é fácil identificar os exacerbados na prática da supremacia, pois as ruas estão cheias de olhares altivos e presunçosos que delimitam nitidamente os degraus socioeconômicos. Sentimo-nos melhores por qualquer banalidade: porque sou branco, porque sou alto, porque sou homem, porque estudei, porque possuo, porque herdei... uma infinidade de superioridades enganosamente estabelecidas.
O orgulho impede-nos de enxergar a obviedade da igualdade, e é estranho perceber que temos prazer nesta cegueira. Fosse o resultado só a delimitação territorial não seria tão danoso, mas os problemas de todos os gêneros nos relacionamentos, invariavelmente, esbarram no orgulho e na vaidade. Sem a sensação de superioridade, perdoaríamos mais facilmente, seríamos mais predispostos à ajuda, à cooperação e ao entendimento. Aceitaríamos mais as diferenças, exatamente porque somos todos iguais.
Infelizmente, este mesmo comportamento manifesta-se dentro da igreja evangélica. Nossa intolerância contra o comportamento daqueles que nominamos pecadores, pagãos, incrédulos, e, em voga, ímpios, nos habituou à sensação de mais dignos. Afinal, segundo a Bíblia, somos salvos, alcançados, amados, filhos e herdeiros de Deus. Eles nada são. Não somente interpretamos assim como também agimos de maneira que isso fique bem claro.
Praticamos o isolamento quando na verdade o que Cristo pregou foi separação consensual, mas estando perto, e andando junto, nos conquistou e transformou sem jamais nos acusar ou repudiar.
Esquecemos do amor, da misericórdia, da longanimidade, da igualdade e linearidade na qual somos todos formados, e já saboreamos, por isso mesmo, o gosto amargo da estupidez quando, sob um faccioso e extremo calvinismo, estabelecemos em Genebra leis dirigidas por doutrinas religiosas, perseguindo e matando opositores em nome de Deus, sempre crendo fortemente que somos escolhidos, e os incrédulos preteridos. Crônico.
Antagônico o comportamento daqueles que esperam de si mesmos serem benignos, bondosos e mansos. Sal e luz para o mundo.
Como abismo chama outro abismo, também aprendemos a apreciar a sensação de melhores que os irmãos: a nossa oração, sim, Deus ouve e atende. Afinal, somos mais santos, mais justos, mais consagrados; nossa denominação é a melhor, salvação só por meio dela; nossa igreja é a maior, a correta, a veraz; pregamos melhor e com mais veemência o Evangelho; somos pastores mais capazes, doutores, phDs. A tolice não conhece freios: somos também deputados, senadores, somos bispos, apóstolos, thDs, sumo-pontífices, somos tudo, quase Deus; menos cristãos de verdade.
A presunção, sem dúvida, toma grande parte no nosso atual estado de doença, ou como já nos alertava a parábola: de sonolência. As dez virgens dormiram, mas graças a Deus que, no lance seguinte, o noivo bate à porta.
“Ora, as obras da carne são manifestas, as quais são: [...] as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas [...], e coisas semelhantes a estas, contra as quais vos previno, como já antes vos preveni, que os que tais coisas praticam não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: o amor, o gozo, a paz, a longanimidade, a benignidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o domínio próprio; contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito. Não nos tornemos vangloriosos, provocando-nos uns aos outros, invejando-nos uns aos outros”. Gálatas 5.19-26
Marcelo Belchior – 01.2006